"Há portanto necessidade de uma instância que normalize o curso da justiça popular, que lhe dê uma orientação. E isso as massas não podem fazê−lo diretamente, pois é preciso que haja uma instância que tenha a capacidade de resolver as contradições internas das massas. No exemplo da revolução chinesa, a instância que permitiu resolver essas contradições − e que ainda desempenhou esse papel depois de tomado o poder de Estado, na época da Revolução Cultural − foi o Exército Vermelho; ora, o Exército Vermelho é distinto do povo, mesmo se a ele está ligado, pois o povo ama o exército e o exército ama o povo. Nem todos os chineses participavam nem participam hoje do Exército Vermelho; o Exército Vermelho é uma delegação de poder do povo, não é o próprio povo. E por isso que também há sempre a possibilidade de uma contradição entre o exército e o povo e haverá sempre uma possibilidade de repressão deste aparelho de Estado sobre as massas populares, o que abre a possibilidade e a necessidade de uma série de revoluções culturais precisamente para abolir as contradições tornadas antagônicas entre esses aparelhos de Estado que são o Exército, o partido ou o aparelho administrativo, e as massas populares."
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Graal, 1979.
O que rolou em 8 de janeiro também deixa claro algo que Foucault já tinha falado: precisa ter umas "instâncias" pra colocar ordem no caos e proteger a estrutura do Estado. Aqui no Brasil, isso apareceu na ação das Forças Armadas e do sistema judicial. Mesmo levando pedrada de vários lados, eles acabaram segurando as pontas, botando limite nos exageros e responsabilizando quem tava por trás da quebradeira e do vandalismo. Mas isso também mostra o dilema que Foucault falava: as mesmas instituições que seguram a ordem podem ser vistas como repressoras, o que acaba criando mais racha político.
ResponderExcluirAgora, tem que sacar que a nossa realidade não bate exatamente com o que Foucault falava sobre "justiça popular" lá na Revolução Cultural Chinesa. No nosso caso, é mais sobre o perigo de usar as massas e símbolos de poder, como o Exército, de um jeito torto. E, como o filósofo já dizia, tem que ficar sempre de olho e revisitar esses processos pra evitar que os conflitos virem crises maiores. O que aconteceu no dia 8 de janeiro grita a importância de pensar a fundo na relação entre as instituições e o povo que elas dizem representar.